sábado, 14 de março de 2015

Ética: Democracia nos meios de comunicação?


por Clóvis de Barros Filho

É com muita tristeza que escutei apresentadores de rádio e televisão, lacaios das famílias que detêm o monopólio da mídia, condenando a presidente Dilma Rousseff quando ela propôs o Marco Regulatório dos Meios de Comunicação no seu segundo mandato. Afinal, todo estudante de comunicação que frequentou as aulas, e não os bares, sabe que a mídia no Brasil foi organizada para atender os generais e os empresários desonestos que os apoiavam. Também sabe que a imprensa livre, antes de 1964, foi fechada, que muitos donos de jornal e jornalistas foram mortos, e que as atuais empresas de comunicação pertencem ao monopólio de meia dúzia de famílias que apoiaram a ditadura militar.
Em maio de 2014, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da América Latina, uma comissão especial da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede nos Esta Unidos, condenou a ausência de um marco regulatório no Brasil e apontou os problemas sociais e políticos que o monopólio das empresas de rádio e televisão produziram nos últimos cinquenta anos. A Associação Brasileira dos Jornalistas (ABJ) tem denunciado as manipulações e as censuras impostas pelos donos dos meios de comunicação e há mais de trinta anos cobra do poder executivo e legislativo a regulação e a democratização da imprensa.
Porém, a elite proíbe qualquer tipo de debate público sobre o assunto na mídia ou no Congresso. Taxam os defensores de uma revisão das leis de meios de rótulos absurdos como "bolivarianos", "comunistas" e "ditadores". Paradoxalmente, somos a única democracia do mundo que não regula e socializa a produção da informação - o que tecnicamente nos torna uma democracia fragilizada.
As ondas Hertz de rádio e televisão utilizam uma frequência em nossa atmosfera para transmitir seus sinais de comunicação. Como a atmosfera é uma propriedade social limitada, que não pode ser cercada ou distribuída para todos, ela constitui um bem público administrado pelo Estado em qualquer lugar do planeta. Cada sociedade estipula as regras básicas de concessão das bandas de transmissão para as empresas de comunicação, recebendo em contrapartida um pagamento pelo uso deste recurso. No Brasil, estas faixas de frequência de rádio e televisão foram dadas para as poucas famílias que juraram lealdade aos golpistas civis e militares há quase cinquenta anos. Estas famílias reivindicam a posse irrevogável e hereditária destas frequências, além de pagar uma quantia irrisória pelo seu uso.
Até hoje é preciso pedir autorização para deputados, ministros e para o presidente para poder transmitir ondas de rádio e televisão. Os atuais donos destas mídias se recusam a ceder suas frequências, nem se comprometem a prestar serviços relevantes para a sociedade. Com o Marco Regulatório, as faixas de frequência de rádio e televisão serão, a cada dez anos, leiloadas para os empresários que se dispuserem a pagar mais pela frequência. Essa medida garante maior liberdade para organizações sociais e empresariais terem seu espaço de comunicação sem precisar corromper políticos, garantindo pluralidade de mídias e um retorno social considerável em termos financeiros e de produção de conteúdo que atenda às necessidades regionais.

Outro problema ainda mais grave é a distribuição da mídia impressa em nosso país. Em teoria, qualquer pessoa pode criar um jornal ou revista e vendê-lo. Porém, na prática, isso não ocorre, pois somente um grupo familiar detém 100% das distribuições de jornais e revistas em todas as bancas do país1. Somos a única democracia do mundo que permite o monopólio de oferta e comercialização de impressos. Ironicamente, as revistas que pertencem ao grupo editorial que mantém esse monopólio classificam as tentativas de regulamentação de "políticas ditatoriais".

Há ainda uma lista imensa de outros motivos para que todos os cidadãos apoiem os congressistas e a presidente da República na árdua tarefa de aprovar o Marco Regulatório dos Meios de Comunicação. Temos que brigar pelo fim do clientelismo político- midiático criado pela ditadura, pela democratização do uso dos meios de comunicação de massa, pelo fim das oligarquias e monopólios na imprensa e por critérios transparentes e justos na oferta de frequências de rádio e televisão. Não podemos mais aceitar estes fantasmas do passado que ainda ameaçam a democracia.

Como professor de Ética na Comunicação, peço para os meus colegas e ex-alunos que trabalham em revistas, rádios e na televisão que parem de reproduzir as mentiras relacionando a regulamentação à "ditadura" e à "censura". Tomem consciência e tenham culhão para enfrentar seus patrões. Apoiem publicamente, no rádio e na televisão, a criação do Marco Regulatório. A história te aplaude, a democracia agradece.
1 A Treelog S/A é a única empresa do Brasil responsável por distribuir jornais, revistas e livros para as bancas. Ela é de propriedade da família Civita, dona do Grupo Abril Editorial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário