por Silvio Caccia Bava
Para falar sobre a situação política atual no Brasil é preciso
compreender algumas mudanças substantivas que ocorreram no passado recente e
criaram as condições para o que chamo de captura do sistema político pelo poder
econômico, o maior problema de nossa democracia.
Até 1997, no Brasil, as empresas eram proibidas de financiar campanhas
eleitorais. A onda neoliberal mudou esse cenário. Foi com a lei eleitoral n.
9.504/97 que as empresas passaram a poder financiar candidatos e campanhas
leitorais. E isso mudou tudo.
A nova lei eleitoral, inspirada no modelo norte-americano, permite que
as empresas criem vínculos diretamente com os candidatos, sem qualquer
intermediação dos partidos. Os partidos, seus programas e propostas ficam em
plano secundário. E, nessa relação direta entre candidato e empresa, o que
desejam os doadores? Desejam políticas que atendam a seus interesses privados,
desejam a defesa de seus interesses nas arenas decisórias das políticas
públicas. Para isso organizam lobbies, pautam a mídia, mas também elegem
bancadas parlamentares e influem na escolha de gestores públicos.1
O modelo europeu de financiamento de campanhas eleitorais vai no sentido
contrário, valorizando e fortalecendo os partidos políticos, e não as
candidaturas individuais. E há países que proíbem o financiamento de campanhas
eleitorais por empresas, tais como Peru, Colômbia, México, Canadá, França e
Portugal. A Espanha estuda adotar essa nova política agora.2
O financiamento eleitoral por empresas foi modificando cada vez mais a
composição do Congresso Nacional e reduzindo à impotência os candidatos com
poucos recursos. Se nas eleições de 2002 os gastos totais foram de cerca de R$
800 milhões, em 2014 eles chegaram a R$ 5,1 bilhões, quase em sua totalidade
contribuições feitas por empresas. Além das doações privadas, os partidos
políticos receberam R$ 308 milhões de recursos públicos provenientes do Fundo
Partidário, e as TVs receberam R$ 840 milhões de isenções fiscais pelo tempo
“gratuito” de veiculação de campanhas eleitorais.3
Em média, nas últimas eleições, um deputado federal eleito gastou R$ 1,4
milhão para se eleger; um senador, R$ 4,9 milhões; os candidatos eleitos
gastaram onze vezes mais que os não eleitos.4 Os que não contaram com esse
aporte financeiro em suas campanhas, por melhores candidatos que fossem, salvo
raríssimas exceções, não se elegeram.
Esse fenômeno de captura do sistema político pelo poder econômico é
mundial. Nos Estados Unidos, a situação é a mesma. Quando, em janeiro de 2010,
a Suprema Corte norte-americana decidiu em favor do financiamento de campanhas
eleitorais por empresas, o jornal The New York Times, em editorial, denunciou
que esse era “um golpe no coração da democracia, facilitando o caminho para que
as corporações empresariais empreguem seus vastos tesouros para inundar com
dinheiro as eleições e intimidar os governantes eleitos para que obedeçam a
suas determinações”. Noam Chomsky, na mesma época, denunciou: “Essa
liberalização financeira cria o que alguns chamam de ‘parlamento virtual’ de
investidores e credores que controlam de perto as políticas governamentais e
‘votam’ contra elas, se as consideram ‘irracionais’, quer dizer, se elas
beneficiam o povo, e não o poder privado concentrado”.5
O resultado é claro. Em 2014, no Brasil, as dez empresas que mais doaram
para as campanhas eleitorais para a Câmara dos Deputados elegeram 360 deputados
de um total de 513, isto é, 70% da Câmara Federal.6 O Congresso Nacional de
2015 não está formado por bancadas de partidos políticos, e sim por bancadas de
interesses privados que estão distribuídas por todos os partidos.
A bancada ruralista é composta por 374 deputados federais – sendo 118
deles do próprio agronegócio –, distribuídos por 23 partidos. A bancada dos
bancos conta com 197 deputados e se distribui por dezesseis partidos. A bancada
dos frigoríficos tem 162 deputados alojados em 21 partidos. A bancada das
mineradoras tem 85 deputados em dezenove partidos. A bancada da bebida
alcoólica conta com 76 deputados em dezesseis partidos.7 Isso para falarmos
apenas das maiores bancadas de interesses privados e sem nos referirmos, por
exemplo, à bancada evangélica, cuja agenda fundamentalista está longe da defesa
do interesse público.
A realidade é que a composição atual do Parlamento brasileiro é de 70%
de fazendeiros e empresários (da educação, da saúde, industriais etc.).8
O novo Congresso é militantemente conservador e reacionário. Posta sob
um comando errático, que atua ao sabor da disputa política do momento, sob
forte influência das bancadas de interesses privados, a Câmara dos Deputados
impõe políticas de restrição de direitos, cuja expressão máxima é a proposta de
terceirização para todas as atividades de qualquer empresa. É o melhor
Congresso que o dinheiro pode comprar.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
1 Tiago Daher Padovesi Borges, “Um estudo sobre as doações empresariais
e as carreiras nas eleições de 2006”, 36º Encontro Anual da Anpocs, 2012.
2 Mariana Schreiber, “Financiamento empresarial de campanha é proibido
em 39 países”, 31 mar. 2015.Disponível em: www.pragmatismopolitico.com.br
3 Mariana Schreiber, op. cit.
4 José Roberto de Toledo e Rodrigo Burgarelli, “Candidatos eleitos
gastam em média 11 vezes mais que não eleitos”, Estadão, 7 nov. 2014.
Publicado in Le Monde Diplmatique Brasil
www.lemondediplomatique.com.br
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